Voltar à página da ficção

 

A AMARGA FACILIDADE

PREFÁCIO

 

     Este livro tem como tema geral a facilidade com que o presente culto do individualismo facilita a desagregação do amor entre o homem e a mulher; convertendo, até frequentemente em ódio, uma atracção que foi grande e abnegada...

     O sonho do `amor duradouro´ está presentemente a fazer a sua travessia na corda bamba. E, surpreendentemente, em dois seres que, pela sua complementaridade e função sexuada na espécie, deveriam naturalmente tender a unir-se…

      Este trabalho (uma novela de novelas) é uma proposta de estudo das principais causas dessa desagregação. Mas proposta que não pretende esgotar o assunto. O facto é de tão grande frequência, que bem merece o interesse generalizado.

     No Epílogo, foi feita uma súmula, sob a forma duma alocução final dirigida aos filhos do autor, estes já com vários anos de casamento. Uniões com as suas alternâncias de coesão como é agora de esperar em todas, mas até esta data sem grande risco. Sucesso que quebra as estatísticas e se almeja no brasão da família, como felizmente se encontra ainda nos de muitas outras.

      No início do livro, o autor pensou em romancear separadamente as várias histórias romanceadas; mas o projecto final fixou-se no objectivo de formar uma linha comum, sob o mesmo tema, que as englobasse, atadas umas nas outras. Foi, então, necessário relacionar as personagens entre si, numa ligação verosímil.

     O enredo em cada uma das novelas teve, assim, que ser entretecido no conjunto, e os factos adaptados para que houvesse coerência no encadeamento dos acontecimentos.

          A quem nas páginas deste livro encontrar semelhanças com a seu próprio caso, sublinha-se que essa semelhança deve ser considerada fictícia. São tudo efabulações do ficcionista.

      Ficcionistas a quem se atribui o poder omnisciente e omnipresente do `imaginário´, que inventa a própria vida...

     Só que a verdade é outra...

 

 

 

ÍNDICE

  

EVA E RAUL                                                        7

  

RAUL E SÓNIA                                                   35

  

ERNESTO E EVA                                               103

  

CATARINA E ALEXANDRE                                   149

 

A PORTA NEGRA                                              273

 

 

RESUMOS

 

      Mas, tomando fôlego, sempre no mesmo indefinível sorriso, o pai de Raul concluiu: Um casamento não é só `união de corpos e um meio convencional de se obter a reprodução da espécie, com garantias para a prole´; é, também, um pacto de companheirismo e lealdade. Eu diria mesmo que a lealdade deve ser a sua característica principal. Ora lealdade não é só fidelidade conjugal: Há lealdade quando o cônjuge defende o outro nas suas costas; não há, quando aproveita para dizer mal dele. Há lealdade quando a vivência íntima, na cama, não é diferente da do relacionamento diário; não há, quando se finge amor na intimidade, ...sem amor... Em resumo, há lealdade se os esposos procuram sempre ser parceiros e aliados; não há, se, pelo contrário, se assumem via de regra como adversários...

      — O pai está a mostrar­‑me, como exemplo, o seu leal casamento, é?!... No meu caso, a lealdade da Eva foi, nas minhas costas, claro, deixar uma impressão miserável de mim no meu emprego!... Já vê!...

      Agora foi a vez do homem ficar embatucado. Concluía que as suas tiradas sentenciosas não tinham sido, afinal, mais do que uma demonstração da prosápia de que ele, sim, tinha feito um bom casamento. No último palavreado fora mesmo um refinado idiota, pois acabara por provocar no filho, com isso, uma reacção que destruía tudo o que anteriormente dissera em favor de Eva. Ora bolas!

      — ...Já vê que a solução, no meu caso, só pode ser o divórcio.

      Fez-se um silêncio prolongado na sala. Até que o pai de Raul, embora já um pouco deprimido, tentou ainda, num derradeiro esforço:

      — Divórcio, divórcio... O amor entre o homem e a mulher é um dos sentimentos sublimes da vida, porque une dois seres complementares num conjunto harmónico: um `dipolo´ enriquecido de virtualidades: reprodução da espécie, companheirismo, solidariedade, gozo físico, prazer espiritual...

      E como o filho, absorto, parecia ter ficado pouco impressionado, o homem insistiu: — A facilidade do divórcio é uma `amarga facilidade´ e uma armadilha...: Não deixa de ser, sempre, o reconhecimento dum fracasso; com muitas sequelas, das quais não é a menor a sensação de se ter perdido um tempo precioso da vida... Sei de pessoas divorciadas que ficaram numa frustração terrível; e algumas entraram mesmo em depressão. Por isso, é sempre conveniente aguardar uns bons meses, até se terem ideias completamente assentes, a ver se se atenuam as ofensas, ...quiçá por motivos fúteis..., que tornaram aparentemente impossível a vida em comum.

      O velho decidiu calar-se finalmente. Sentia-se confuso e com a sensação de ter feito um discurso de todo inútil. Mas, insatisfeito com o desfecho da conversa, pediu ajuda à mulher: — E tu?... Não dizes nada?...

      A primeira resposta dela foi beijar a cabecita da criança. Tinha ouvido o filósofo do seu homem falar, num silêncio tolerante. Nos olhos com que o fitara, escutando-lhe as palavras, pudera ler-se um sorriso vagamente trocista, como de quem ouve uma dissertação fora das realidades da vida, muito bonita nos livros em que ele andava constantemente metido. Agora limitava-se a beijar aquela adorada cabecita; outra vez, mais outra (o `bebé da sua menopausa´, um tesouro sublimado); e disse, vagarosamente:

      Os homens são brilhantes quando discorrem com a sua lógica masculina; mas às vezes esquecem questões fundamentais, absolutamente evidentes para a sensibilidade feminina. Para mim, como mulher, um dos problemas base do teu casamento é o de que tu, Raul, ...nunca gostaste a sério da Eva... Já desconfiava disso antes de te casares, e tornou-se-me depois absolutamente evidente. A tua razão para o divórcio reside principalmente aí. Por outro lado, o teu pai, dissertando com o palavreado que é normal nele, esqueceu-se de dizer que, como filho único, tu habituaste-te a ser o centro do teu mundo; e que agora te achas `sempre´ com direito a ele. Se isso se justificou no amor que te tenho, é francamente despropositado quando encarado por uma esposa. Tu precisas, Raul, de deixar de ser tão egoísta, ...senão, não haverá mulher que consiga aturar-te, homem!

      A avó fez uma pausa. Insistiu nos beijos na cabecita do neto, olhos baixos. Quando os elevou, os dois homens perceberam logo que iam ouvir agora as palavras decisivas: Há um outro aspecto que não foi encarado por vocês os dois, e no qual eu peço que medites, meu filho: Tu já pensaste no que vais dizer a este menino, um dia mais tarde, depois de te divorciares da mãe dele?...

 

 

 

      Catarina não parava de chorar: Nunca imaginei que fosse assim tão duro para uma mulher notar repugnância no seu marido. No seu marido?... "Mas terei eu ainda marido? ...E o que é uma mulher com filhos, sem marido?... De súbito, a responsabilidade de os criar parece que ficou toda em cima de mim... Os filhos, que dantes me enchiam tanto a vida, agora trazem‑me também uma sensação de angústia quando penso neles. E porquê? Uma mulher pode muito bem dispensar o macho, se o quiser; mas um marido não é só o macho..., e nem é só o pai dos filhos da mulher, e nem o é só o companheiro e o aliado na vida... É isso, e é tudo mais... Catarina foi levada a pensar `o chefe da família´, mas o seu espírito de mulher moderna recalcou tal ideia. Um marido completa uma `família´, é a força e a coragem do pai para os filhos masculinos, o sentimento de segurança para a mulher, e (deu-se então conta com intensidade dramática) é, ainda, o respeito desta sociedade conservadora pela `mulher-mãe´...

      Foi nesta altura que Catarina subitamente concluiu: É uma armadilha em que a mulher casada se mete quando desafia um marido fazendo-lhe também ciúmes: Para um homem, a esposa infiel, além de companheira desleal, passa a ser a `pega de merda´, que lhe pôs os palitos e que, afinal, não serve como `mãe segura´ para os seus filhos... A diferença é injusta para a mulher, mas é indeclinável!...

      Aqui, Catarina lembrou-se da palavras da avó, viúva: «Um marido não é só um homem, é um `mari-do´... ...um chato tão chato, que até depois de morrer chateia uma mulher com as saudades tão grandes que lhe deixa...»

 

 

 

     Exclamo, ansioso: «Catarina!... Afinal, a memória de ti estará em mim para toda a vida!...

     E, de súbito, já em pânico agora, percebo que o meu tempo com ela acabou, ...definitivamente...; porque os nossos sagrados votos de lealdade, feitos no dia do casamento, se tornaram uma mentira...; porque `tudo´ passou a ser uma mentira, quando a mentira se instalou...´

     Catarina!!..., como é que isto nos aconteceu?!...

 

 

 

      Voltar à página da ficção